Monday, March 24, 2008

Clarice Lispector


Mas é que a verdade nunca me fez sentido. A verdade não me faz sentido! É por isso que eu a temia e a temo. Desamparada, eu te entrego tudo - para que faças disso uma coisa alegre. Por te falar eu te assustarei? Mas se eu nunca falar eu me perderei, e por me perder eu te perderia.

A vida, meu amor, é uma grande sedução onde tudo o que existe se seduz.

Escrever é tantas vezes lembrar-se do que nunca existiu.

É melhor eu não falar em felicidade ou infelicidade - provoca aquela saudade demasiada e lilás, aquele perfume de violeta, as águas geladas da maré mansa em espumas de areia. Eu não quero provocar porque dói.

Entre ela e Eduardo o ar tinha gosto de sábado.

Minha força está na solidão.
Não tenho medo nem de chuvas nem
de grandes tempestades soltas...
pois eu também sou o escuro da noite.

Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato...
Ou toca, ou não toca.

E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior que eu mesma, e não me alcanço.

Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre ia ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia

Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar mas que fazia de mim um tripé estável.(...)
Sei que somente com duas pernas é que posso caminhar. Mas a ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta, era ela que fazia de mim uma coisa encontrável por mim mesma, se sem sequer precisar me procurar.

Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida.

Mas nem sempre é necessário tornar-se forte. Temos que respeitar a nossa fraqueza. Então, são lágrimas suaves, de uma tristeza legítima à qual temos direito. Elas correm devagar e quando passam pelos lábios sente-se aquele gosto salgado, límpido, produto de nossa dor mais profunda.

Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas o que é possível de fazer sentido.

Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não-palavra - a entrelinha - morde a isca, alguma coisa se escreveu

Pois, por pura sede de vida melhor estamos sempre à espera do extraordinário o que talvez nos salve de uma vida contida.

Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os defeitos pode ser perigoso - nunca se sabe qual o defeito que sustenta nosso edifício inteiro... Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma em boi. Ouça: respeite mesmo o que é ruim em você - respeite sobretudo o que imagina que é ruim em você - não copie uma pessoa ideal, copie você mesma - é esse seu único meio de viver. Juro por Deus que, se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia ia ser punida e iria para um inferno qualquer. Se é que uma vida morna não é ser punida por essa mesma mornidão.

Eu sei qual é o segredo da esfinge. Ela não me devorou porque respondi certo à resposta. Mas eu sou um enigma para a esfinge e no entanto não a devorei. Decifra-me, disse eu à esfinge. E esta ficou muda. As pirâmides são eternas. Vão ser sempre restauradas. A alma humana é coisa? É eterna? Entre as marteladas eu ouço o silêncio.

Sofrer pelo mesmo motivo que a fizera imensamente feliz?

Haveria um grande silêncio em mim, mesmo que eu falasse.

A quem devo pedir que na minha vida se repita a felicidade? Como sentir com a frescura da inocência o sol vermelho se levantar? Nunca mais? Nunca mais. Nunca.

A vida é curta, mas as emoções que podemos deixar, duram uma eternidade.

E somente a consciência atormentada do pecado me redimia do vicio.

Deram-me um nome e me alienaram de mim.

Quando eu descobrir o que me assusta, saberei também o que amo aqui. O medo sempre me guiou para o que eu quero; e, porque eu quero, temo. Muitas vezes foi o medo quem me tomou pela mão e me levou. O medo me leva ao perigo. E tudo o que eu amo é arriscado

Como começar do início, se as coisas aconteceram antes de acontecer?

Há coisas que só se aprende quando ninguém ensina.

Eu sou mais forte do que eu.

Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.

Pois logo a mim, tão cheia de garras e sonhos, coubera arrancar de seu coração a flecha farpada. De chofre explicava-se para que eu nascera com mão dura, e para que eu nascera sem nojo da dor. Para que te servem essas unhas longas? Para te arranhar de morte e para arrancar os teus espinhos mortais, responde o lobo do homem. Para que te serve essa cruel boca de fome? Para te morder e para soprar a fim de que eu não te doa demais, meu amor, já que tenho que te doer, eu sou o lobo inevitável pois a vida me foi dada. Para que te servem essas mãos que ardem e prendem? Para ficarmos de mãos dadas, pois preciso tanto, tanto, tanto - uivaram os lobos e olharam intimidados as próprias garras antes de se aconchegarem um no outro para amar e dormir.

Muito cedo na minha vida ficou tarde demais.

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles.

Era cruel o que fazia consigo própria: aproveitar que estava em carne viva para se conhecer um pouco melhor, já que a ferida estava aberta.

O ovo desnuda a cozinha. Faz da mesa um plano inclinado.

Comigo você falará sua alma toda, mesmo em silêncio. Eu falarei um dia minha alma toda, e nós não nos esgotaremos porque a alma é infinita.

E ter visto é irrevogável.

E como a uma borboleta, Ana prendeu o instante entre os dedos antes que ele nunca mais fosse seu.

Teu segredo é tão parecido contigo que nada me revela além do que já sei. E sei tão pouco como se o teu enigma fosse eu. Assim como tu és o meu.

A vida é curta. E é preciso amar, ainda que seja pela última vez.

Preciso ter paciência porque sou vários caminhos, inclusive o beco sem saída.

Mas o sonho é mais completo que a realidade, esta me afoga na inconsciência.

Renda-se como eu me rendi.
Mergulhe no que você não conhece, como eu mergulhei.
Pergunte, sem querer, a resposta, como estou perguntando.
Não se preocupe em "entender".
Viver ultrapassa todo o entendimento

A lua dilui-se lentamente e um sol mínimo espreguiça os braços translúcidos. Frescos murmúrios de água pura que se abandonam aos declives. Um par de asas dança na atmosfera vasada ... silêncio amigos, o dia vai nascer.

Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Faça com que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo.
Receba em teus braços
o meu pecado de pensar.

Sempre e eternamente é o dia de hoje e o dia de amanhã será um hoje. A eternidade é o estado das coisas neste momento.

Simplesmente eu sou eu. E você é você. É vasto, vai durar.
O que te escrevo continua... e estou enfeitiçada!

Nada existe de mais difícil do que entregar-se ao instante. Esta dificuldade é dor humana.

Não, não, o mundo não me agrada. A maioria das pessoas estão mortas e não sabem, ou estão vivas com charlatanismo. E o amor, em vez de dar, exige. E quem gosta de nós quer que sejamos alguma coisa de que eles precisam. Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece...e morre-se, sem ao menos uma explicação. E o pior - vive-se, sem ao menos uma explicação.

Eu te conheço todo por te viver todo.

Dá - me tua mão:
Vou agora te contar como entrei no inexpressivo que sempre foi a minha busca cega e secreta. De como entrei naquilo que existe entre o número um e o dois, de como vi a linha de mistério e fogo, e que é linha sub-reptícia. Entre duas notas de música existe uma nota, entre dois fatos existe um fato, entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam existe um intervalo de espaço, existe um sentir que é entre o sentir.

Pra que te servem essas unhas longas?
Para te arranhar de morte e para arrancar os teus espinhos mortais, responde o lobo do homem.
Para que te serve essa cruel boca de fome?
Para te morder e para soprar a fim de que não te doa demais, meu amor, já que tenho que te doer, eu sou o lobo inevitável pois a vida me foi dada.
Para que te servem essas mãos que ardem e prendem?
Para ficarmos de mãos dadas, pois preciso tanto, tanto, tanto
- uivaram os lobos, e olharam-se intimidados as próprias garras antes de se aconchegarem um no outro para amar e dormir.

Ah, se eu pudesse te transmitir a lembrança, só agora viva, do que nós dois já vivemos sem saber.

Mas já que há de se escrever, que pelo menos não se esmague as entrelinhas com palavras.

Estou melancólica porque estou feliz. Não é paradoxo. Depois do ato do amor não dá uma certa melancolia? A da plenitude.

Ele parecia um mendigo que agradecesse um prato de comida sem perceber que lhe haviam dado carne estragada.

Não se compreende música: ouve-se. Ouve-me então com teu corpo inteiro.

Agasalhei-me do medo no próprio medo - como já me agasalhei de ti em ti mesmo.

Eu te invento, ó realidade!

Sinto-me espalhada no ar, pensando dentro das criaturas, vivendo nas coisas além de mim mesma. Quando me surpreendo ao espelho não me assusto porque me ache feia ou bonita. É que me descubro de outra qualidade. Depois de não me ver há muito quase esqueço que sou humana, esqueço meu passado e sou com a mesma libertação de fim e de consciência quanto uma coisa apenas viva. Também me surpreendo, os olhos abertos para o espelho pálido, de que haja tanta coisa em mim além do conhecido, tanta coisa sempre silenciosa.

Você erra com uma força que não se pode deter...Acho mesmo que errar com essa violência é mais bonito que acertar, é como ser um herói...

A violeta é introvertida e sua introspecção é profunda. Dizem que se esconde por modéstia. Não é. Esconde-se para poder captar o próprio segredo. Seu quase-não-perfume é glória abafada mas exige da gente que o busque. Não grita nunca seu perfume. Violeta diz levezas que não se podem dizer.

Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome.

Foi então deitados no chão,
que se amaram tão profundamente
que tiveram medo da própria grandeza deles...

E a respiração contínua do mundo, é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.

E tão lentos somos no avançar que só a impaciência do desejo nos deu a ilusão de que o tempo de uma vida é tempo bastante.

Minha alma tem o peso da luz.

Tem o peso da música.

Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita.

Tem o peso de uma lembrança.

Tem o peso de uma saudade.

Tem o peso de um olhar.

Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou.

Tem o imaterial peso da solidão no meio dos outros.

É curioso como não sei dizer quem sou.

Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer.
Sobretudo tenho medo de dizer, porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto, como o que sinto se transforma lentamente no que digo.

Como traduzir o silêncio do encontro real entre nós dois?
Dificílimo contar: olhei para você fixamente por uns instantes.
Tais momentos são o meu segredo.

Nem todos chegam a fracassar porque é tão trabalhoso, é preciso antes subir penosamente até enfim atingir a altura de poder cair.

Terei que correr o sagrado risco do acaso. E substituirei o destino pela probabilidade

Porque a lua cheia é de uma insônia leve: entorpecida e dormente como depois do amor.

O imprevisto improvisado e fatal me fascina.

Tudo que amadurece plenamente está a um passo de apodrecer.

Corro perigo como toda pessoa que vive. E a única coisa que me espera é exatamente o inesperado.

E não tenho medo do fracasso. Que o fracasso me aniquile, quero a glória de cair.

Expulsa de seus próprios dias.

O pecado me atrai, o proibido me fascina.

O que me mata é o cotidiano.
Eu queria só exceções. Estou perdida:
Eu não tenho hábitos...

Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham...

Não pense que escrevo aqui o meu mais íntimo segredo pois há segredos que eu não conto nem a mim mesma.

O que saberás de mim é a sombra da flecha que acertou o alvo.

O segredo é ter olhos verdes e ninguém saber.

Eu te procurei em dicionários e não encontrei teu significado. Onde está teu sinônimo no mundo? Onde está o meu sinônimo na vida? Sou ímpar.

Quando eu morrer, vou ter saudade de mim...




Outra que dispensa comentários... Mrs. Lispector, e isso já é mais que o suficiente.
Leiam mais...

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