Friday, March 28, 2008

Fernando Pessoa



'Não quero rosas, desde que haja rosas.
Quero-as só quando não as possa haver.
Que hei-de fazer das coisas
Que qualquer mão pode colher?'

'Vem, ó noite, e apaga-me, vem e afoga-me em ti.'

'Multipliquei-me, para me sentir,
Para me sentir, precisei sentir tudo,
Transbordei, não fiz senão extravasar-me,
Despi-me, entreguei-rne,
E há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente.'

'Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do bojador tem que passar além da dor.
Deus ao mar o abismo e o perigo deu, mas nele é que espelhou o céu.'

'E o teu sorriso no teu silêncio é as escadas e as andas com que me finjo mais alto e ao pé de qualquer paraíso.
Meu coração é uma ânfora que cai e que se parte [...]
Tu és e tela irreal em que erro em cor a minha arte.
[...] Secou em teu olhar a idéia de te julgares calma, e eu ver isso em ti é um porto sem navios...
Minha alma é uma lâmpada que se apagou mas ainda está quente.
Ah, e o teu silêncio é um perfil de píncaro ao sol! [...]
E eu deliro... De repente pauso no que penso...
Fito-te. E o teu silêncio é uma cegueira minha... Fito-te e sonho.
Há coisas rubras e cobras na maneira como medito-te. e a tua idéia sabe à lembrança de um sabor medonho...
Para que não ter por ti desprezo? Por que não perdê-lo?...
Ah, deixa que eu te ignore... O teu silêncio é um leque -
um leque fechado, um leque que aberto seria tão belo, tão belo, mas mais belo é não o abrir, para que a hora não peque...
Gelaram todas as mãos cruzadas sobre todos os peitos...
Murcharam mais flores do que as havia no jardim...
O meu amar-te é uma catedral de silêncios eleitos,
E meus sonhos uma escada sem princípio mas com um fim...
Alguém vai entrar pela porta... Sente-se o ar a sorrir...
Tecedeiras viúvas gozam as mortalhas virgens que tecem...
Ah, o teu tédio é uma estátua de uma mulher que há de vir,
O perfume que os crisântemos teriam, se o tivessem...'

'Gastei tudo que não tinha.
Sou mais velho do que sou.
A ilusão, que me mantinha,
só no palco era rainha:
Despiu-se, e o reino acabou.'

'E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.'

'Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
[...] Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que é tudo sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.'



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