Wednesday, April 2, 2008

Lygia Fagundes Telles


'Ter pena dos outros não é se sentir superior a esses outros?'

'Coragem de amar e desamar, coragem de morrer e desmorrer, coragem da cólera, da tristeza -ô Deus - até nos enterros, as pessoas tão contidas, tão exemplares. Se controlando pra não chorar alto, porque se o choro fica forte já vem alguem com a pílula, a injeção, o analista.'

'O Jardineiro só colhia as rosas ao anoitecer porque durante o sono elas não sentiam o aço frio da tesoura. Uma noite ele sonhou que cortava as hastes de manhã, em pleno sol, as rosas despertas e gritando e sangrando na altura do corte das cabeças decepadas. Quando ele acordou, viu que estava com as mãos sujas de sangue.'

'Por que não lhe disse antes? Apertá-lo demoradamente contra o meu peito e dizer. Não disse porque pensava que tinha pela frente a eternidade. Só me resta agora esperar que acontença outra vez, vislumbro esse encontro - mas vou reconhecê-lo? E vou me reconhecer nos farrapos da memória do meu eu?'

'Volto às minhas lembranças que foram se acumulando no meu eu lá de dentro,em camadas, feito poeira. Invento (de vez em quando) o que é sempre melhor do que o nada que nem chega a ser nada porque meu coração pulsante diz EU SOU EU SOU EU SOU. Meu peito (rachado) continua oco.'

'É preciso amar o inútil. Criar pombos sem pensar em comê-los, plantar roseiras sem pensar em colher rosas, escrever sem pensar em publicar, fazer coisas assim, sem esperar nada em troca. A distância mais curta entre dois pontos pode ser a linha reta, mas é nos caminhos curvos que se encontram as melhores coisas da vida. A música. Este céu que nem promete chuva. Aquela estrelinha nascendo ali... está vendo aquela estrelinha? Há milênios não tem feito nada, não guiou os reis magos, nem os pastores, nem os marinheiros perdidos... apenas brilha. Ninguém repara nela porque é uma estrela inútil. Pois é preciso amar o inútil porque no inútil está a beleza. No inútil também está Deus.'

'Você é o único que não me lembra nada e eu detesto lembrar.'

'Ouça, querida – disse-lhe Otávia certa vez – não fique assim com essa mentalidade de donzela folhetinesca, não separe com tanta precisão os heróis dos vilões, cada qual de um lado, tudo muito bonitinho como nas experiências de química. Não há gente completamente boa nem gente completamente má, está tudo misturado e a separação é impossível. O mal está no próprio gênero humano, ninguém presta. Às vezes a gente melhora. Mas passa ... E que interessa o castigo ou o prêmio? ... Tudo muda tanto que a pessoa que pecou na véspera já não é a mesma a ser punida no dia seguinte.'

'Saiu. A noite estava fria, mas belíssima. Achou a lua enorme e pensou em compará-la a alguma coisa, mas desistiu: parecia lua mesmo, talvez nunca parecesse tão lua quanto naquela noite.'

'Quando na realidade o amor é uma coisa tão simples... Veja-o como uma flor que nasce e morre em seguida por que tem que morrer. Nada de querer guardar a flor dentro de um livro, não existe nada mais triste no mundo do que fingir que a vida onde a vida onde a vida acabou.'

'O homem estranhou aquele céu verde com a lua de cera coroada por um fino galho de árvore, as folhas se desenhando nas minúcias sobre o fundo opaco. Era lua ou um sol apagado? Difícil saber se estava anoitecendo ou se já era de manhã no jardim que tinha a luminosidade fosca de uma antiga moeda de cobre.'

'A verdade me varava da cabeça aos pés, como um raio. E me partira ao meio: na metade viva, sentira um formigamento de formigas vermelhas correndo na alegria carnívora da descoberta. A outra parte estava enegrecida, morta.'

'A busca, a conquista, a posse rápida e total na ânsia de enraizar o amor, que de repente não é mais amor, é lúxuria, lúxuria que de repente não é luxuria, é farsa. Farsa que é medo, simplesmente medo da solidão, mais difícil de suportar que o peso do corpo alheio a se abater sobre o meu.'

'Vou escrevendo e mais adiante vou descobrir (ou não) como funciona essa tal de estrutura que deve ser assim como o próprio ser humano, indefinível, inacessível.
E incontrolável.'

'Em sinal de protesto devíamos todos simplesmente morrer. “Morreríamos se adiantasse”, você disse. Lembra? Eu sei, ninguém daria a mínima. Arrancaríamos o coração do peito, olha aqui meu sangue, olha aqui meu coração!'

'Há tantas pequeninas coisas que me dão prazer, que morrerei de prazer quando chegar a coisa maior.'

'Não era amada? Não, certamente não. Mas continuaria amando amando amando até - morrer, não. Até viver de amor.'

'Tudo que tive e ainda tenho, tão triste ir buscar lá fora o que devia estar aqui dentro.'

'A memória tem um olfato memorável.'

'Veja Lorena... Os objetos só têm sentido quando têm sentido, fora disso... Eles precisam ser olhados, manuseados. Como nós. Se ninguém me ama viro uma coisa ainda mais triste do que essas, porque ando, falo, indo e vindo como uma sombra, vazio, vazio.'

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