Sunday, April 20, 2008

Guimarães Rosa



'É preciso sofrer depois de ter sofrido, e amar, e mais amar, depois de ter amado.'

'Quanto mais ando, querendo pessoas, parece que entro mais no sozinho do vago.'

'Será que, por alguma vez que seja, a gente pode estar mesmo certo do que faz?'

'Linda, Linda. Linda como uma alegria triste, uma alegria magoada que ficou triste de repente.'

'Esperar é reconhecer-se incompleto.'

'Todo abismo é navegável a barquinhos de papel.'

'Felicidade se acha em horinhas de descuido.'

'A vida inventa! A gente principia as coisas, no não saber por que, e desde aí perde o poder de continuação - porque a vida é mutirão de todos, por todos remexida e temperada.'

'Quando escrevo, repito o que já vivi antes. E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente. Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser um crocodilo porque amo os grandes rios, pois são profundos como a alma de um homem. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranqüilos e escuros como o sofrimento dos homens.'

'Para ódio e amor que dói, amanhã não é consolo.'

'Mestre é aquele que às vezes aprende.'

'Amor vem de amor, em Diadorim penso também. Mas Diadorim é a minha neblina.'

'Toda saudade tem um pouco de velhice.'

'Que vontade era de por os meus dedos, de leve, o leve, nos meigos olhos dele, ocultando, para não ter de tolerar, de ver assim o chamado, até que ponto esses olhos, sempre havendo aquela beleza verde, me adoecido, tão impossível.'

Castro Alves




'Quero um beijo sem fim,
Que dure a vida inteira e aplaque o meu desejo!
Ferve-me o sangue. Acalma-o com teu beijo,
Beija-me assim!
O ouvido fecha ao rumor
Do mundo, e beija-me, querida!
Vive só para mim, só para a minha vida,
Só para o meu amor!
[...]
Diz tua boca: "Vem!"
Inda mais! diz a minha, a soluçar... Exclama
Todo o meu corpo que o teu corpo chama:
"Morde também!"
Ai! morde! que doce é a dor
Que me entra as carnes, e as tortura!
Beija mais! morde mais! que eu morra de ventura,
Morto por teu amor!'

'Nua, de pé, solto o cabelo às costas,
Sorri na alcova perfumada e quente,
Pela janela, como um rio enorme
De áureas ondas tranqüilas e impalpáveis,
Profusamente a luz do meio-dia
Entra e se espalha palpitante e viva.
Entra, parte-se em feixes rutilantes,
Aviva as cores das tapeçarias,
Doura os espelhos e os cristais inflama.
Depois, tremendo, como a arfar, desliza
Pelo chão, desenrola-se, e, mais leve,
Como uma vaga preguiçosa e lenta,
Vem lhe beijar a pequenina ponta
Do pequenino pé macio e branco.
Sobe... cinge-lhe a perna longamente;
Sobe... – e que volta sensual descreve
Para abranger todo o quadril! – prossegue.
Lambe-lhe o ventre, abraça-lhe a cintura,
Morde-lhe os bicos túmidos dos seios,
Corre-lhe a espádua, espia-lhe o recôncavo
Da axila, acende-lhe o coral da boca,
E antes de se ir perder na escura noite,
Na densa noite dos cabelos negros,
Pára confusa, a palpitar, diante
Da luz mais bela dos seus grandes olhos.'

'Disse a meu peito, pobre peito:
_ Não te contentas co'uma só amante?
Pois não vês que esse mudar constante
Gasta em desejos o prazer do amor?
Ele respondeu: _Não! não me contento:
Não me contento com uma só amante.
Pois tu não vês que este mudar constante
Empresta aos gozos um melhor sabor?
Disse a meu peito, a meu pobre peito:
_Não te contentas desta dor errante?
Pois tu não vês que este mudar constante
A cada passo só nos traz a dor?
Ele respondeu: _Não! Não me contento,
No me contento desta dor errante...
Pois tu não vês que este mudar constante
Empreta às mágoas um melhor sabor?'

'Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!'

Wednesday, April 2, 2008

Lygia Fagundes Telles


'Ter pena dos outros não é se sentir superior a esses outros?'

'Coragem de amar e desamar, coragem de morrer e desmorrer, coragem da cólera, da tristeza -ô Deus - até nos enterros, as pessoas tão contidas, tão exemplares. Se controlando pra não chorar alto, porque se o choro fica forte já vem alguem com a pílula, a injeção, o analista.'

'O Jardineiro só colhia as rosas ao anoitecer porque durante o sono elas não sentiam o aço frio da tesoura. Uma noite ele sonhou que cortava as hastes de manhã, em pleno sol, as rosas despertas e gritando e sangrando na altura do corte das cabeças decepadas. Quando ele acordou, viu que estava com as mãos sujas de sangue.'

'Por que não lhe disse antes? Apertá-lo demoradamente contra o meu peito e dizer. Não disse porque pensava que tinha pela frente a eternidade. Só me resta agora esperar que acontença outra vez, vislumbro esse encontro - mas vou reconhecê-lo? E vou me reconhecer nos farrapos da memória do meu eu?'

'Volto às minhas lembranças que foram se acumulando no meu eu lá de dentro,em camadas, feito poeira. Invento (de vez em quando) o que é sempre melhor do que o nada que nem chega a ser nada porque meu coração pulsante diz EU SOU EU SOU EU SOU. Meu peito (rachado) continua oco.'

'É preciso amar o inútil. Criar pombos sem pensar em comê-los, plantar roseiras sem pensar em colher rosas, escrever sem pensar em publicar, fazer coisas assim, sem esperar nada em troca. A distância mais curta entre dois pontos pode ser a linha reta, mas é nos caminhos curvos que se encontram as melhores coisas da vida. A música. Este céu que nem promete chuva. Aquela estrelinha nascendo ali... está vendo aquela estrelinha? Há milênios não tem feito nada, não guiou os reis magos, nem os pastores, nem os marinheiros perdidos... apenas brilha. Ninguém repara nela porque é uma estrela inútil. Pois é preciso amar o inútil porque no inútil está a beleza. No inútil também está Deus.'

'Você é o único que não me lembra nada e eu detesto lembrar.'

'Ouça, querida – disse-lhe Otávia certa vez – não fique assim com essa mentalidade de donzela folhetinesca, não separe com tanta precisão os heróis dos vilões, cada qual de um lado, tudo muito bonitinho como nas experiências de química. Não há gente completamente boa nem gente completamente má, está tudo misturado e a separação é impossível. O mal está no próprio gênero humano, ninguém presta. Às vezes a gente melhora. Mas passa ... E que interessa o castigo ou o prêmio? ... Tudo muda tanto que a pessoa que pecou na véspera já não é a mesma a ser punida no dia seguinte.'

'Saiu. A noite estava fria, mas belíssima. Achou a lua enorme e pensou em compará-la a alguma coisa, mas desistiu: parecia lua mesmo, talvez nunca parecesse tão lua quanto naquela noite.'

'Quando na realidade o amor é uma coisa tão simples... Veja-o como uma flor que nasce e morre em seguida por que tem que morrer. Nada de querer guardar a flor dentro de um livro, não existe nada mais triste no mundo do que fingir que a vida onde a vida onde a vida acabou.'

'O homem estranhou aquele céu verde com a lua de cera coroada por um fino galho de árvore, as folhas se desenhando nas minúcias sobre o fundo opaco. Era lua ou um sol apagado? Difícil saber se estava anoitecendo ou se já era de manhã no jardim que tinha a luminosidade fosca de uma antiga moeda de cobre.'

'A verdade me varava da cabeça aos pés, como um raio. E me partira ao meio: na metade viva, sentira um formigamento de formigas vermelhas correndo na alegria carnívora da descoberta. A outra parte estava enegrecida, morta.'

'A busca, a conquista, a posse rápida e total na ânsia de enraizar o amor, que de repente não é mais amor, é lúxuria, lúxuria que de repente não é luxuria, é farsa. Farsa que é medo, simplesmente medo da solidão, mais difícil de suportar que o peso do corpo alheio a se abater sobre o meu.'

'Vou escrevendo e mais adiante vou descobrir (ou não) como funciona essa tal de estrutura que deve ser assim como o próprio ser humano, indefinível, inacessível.
E incontrolável.'

'Em sinal de protesto devíamos todos simplesmente morrer. “Morreríamos se adiantasse”, você disse. Lembra? Eu sei, ninguém daria a mínima. Arrancaríamos o coração do peito, olha aqui meu sangue, olha aqui meu coração!'

'Há tantas pequeninas coisas que me dão prazer, que morrerei de prazer quando chegar a coisa maior.'

'Não era amada? Não, certamente não. Mas continuaria amando amando amando até - morrer, não. Até viver de amor.'

'Tudo que tive e ainda tenho, tão triste ir buscar lá fora o que devia estar aqui dentro.'

'A memória tem um olfato memorável.'

'Veja Lorena... Os objetos só têm sentido quando têm sentido, fora disso... Eles precisam ser olhados, manuseados. Como nós. Se ninguém me ama viro uma coisa ainda mais triste do que essas, porque ando, falo, indo e vindo como uma sombra, vazio, vazio.'

Luis Fernando Veríssimo


'Pare de ler leitor. Eu não posso parar de escrever. As idéias não podem ser desperdiçadas, mesmo que nos custem amigos, a vida ou o sono. Imagine se Shakespeare tivesse se horrorizado com suas próprias idéias e deixado de escrevê-las, por puro comedimento. Não que eu queira me comparar a Shakespeare. Shakespeare era bem mais magro.'

'O homem acorda da anestesia e olha em volta. Ainda está na sala de
recuperação. Há uma enfermeira do seu lado. Ele pergunta se foi tudo bem.
- Tudo perfeito - diz a enfermeira, sorrindo.
- Eu estava com medo desta operação...
- Por quê? Não havia risco nenhum.
- Comigo, sempre há risco. Minha vida tem sido uma série de enganos...
E conta que os enganos começaram com seu nascimento. Houve uma troca
de bebês no berçário e ele foi criado até os dez anos por um casal de
orientais, que nunca entenderam o fato de terem um filho claro com olhos
redondos. Descoberto o erro, ele fora viver com seus verdadeiros pais. Ou
com sua verdadeira mãe, pois o pai abandonara a mulher depois que esta não
soubera explicar o nascimento de um bebê chinês.
- E o meu nome? Outro engano.
- Seu nome não é Lírio?
- Era para ser Lauro. Se enganaram no cartório e...
Os enganos se sucediam. Na escola, vivia recebendo castigo pelo que não
fazia. Fizera o vestibular com sucesso, mas não conseguira entrar na
universidade. O computador se enganara, seu nome não apareceu na lista.
- Há anos que a minha conta do telefone vem com cifras incríveis. No mês
passado tive que pagar mais de R$ 3 mil.
- O senhor não faz chamadas interurbanas?
- Eu não tenho telefone!
Conhecera sua mulher por engano. Ela o confundira com outro. Não foram
felizes.
- Por quê?
- Ela me enganava.
Fora preso por engano. Várias vezes. Recebia intimações para pagar dívidas
que não fazia. Até tivera uma breve, louca alegria, quando ouvira o médico
dizer:
- O senhor está desenganado.
Mas também fora um engano do médico. Não era tão grave assim. Uma
simples apendicite.
- Se você diz que a operação foi bem...
A enfermeira parou de sorrir.
- Apendicite? - perguntou, hesitante.
- É. A operação era para tirar o apêndice.
- Não era para trocar de sexo?'

'És colorida,
um pouco aérea,
e só pensas em ti.
Sou meio cinzento,
algo rasteiro,
e só penso em Pi.
Somos cada um de um pano
uma sã e o outro insano.
Tu,cano.
Eu,clidiano.'

'Talvez o Times tenha decidido que, assim como a física de Einstein era tão revolucionária que só um total inocente no assunto captaria sua originalidade, quem viesse capacitado para entender o Brasil não pegaria o espírito da nossa coisa. Entender o Brasil seria falsificá-lo.'

'Telefonista: Pizza Hot, boa noite!
Cliente: Boa noite, quero encomendar pizzas...
Telefonista: Pode me dar o seu NIDN?
Cliente: Sim, o meu número de identificação nacional
É 6102-1993-8456-54632107.
Telefonista: Obrigada, Sr.Lacerda. Seu endereço é Av. Paes de Barros, 19
88 ap. 2 B, e o número de seu telefone é 5494-2366, certo? O telefone
do seu escritório da Lincoln Seguros é o 5745-2302 e o seu celular é
9266-2566.
Cliente: Como você conseguiu essas informações todas?
Telefonista: Nós estamos ligados em rede ao Grande Sistema Central.
Cliente: Ah, sim, é verdade! Eu queria encomendar duas pizzas,
uma quatro queijos e outra calabresa...
Telefonista: Talvez não seja uma boa idéia...
Cliente: O quê?
Telefonista: Consta na sua ficha médica que o Sr. sofre de hipertensão
e tem a taxa de colesterol muito alta. Além disso, o seu seguro de
vida proíbe categoricamente escolhas perigosas para a sua saúde.
Cliente: É, você tem razão!! O que você sugere?
Telefonista: Por que o Sr. não experimenta a nossa pizza
Superlight, com tofu e rabanetes? O Senhor vai adorar!
Cliente: Como é que você sabe que vou adorar?
Telefonista: O Sr. consultou o site "Recettes Gourmandes au Soja"
da Biblioteca Municipal, dia 15 de janeiro, às 14:27h, onde permaneceu
ligado à rede durante 39 minutos. Daí a minha sugestão...
Cliente: OK, está bem! Mande-me duas pizzas tamanho família!
Telefonista: É a escolha certa para o Sr., sua esposa e seus 4 filhos,
Pode ter certeza.
Cliente: Quanto é?
Telefonista: São R$49,99.
Cliente: Você quer o número do meu cartão de crédito?
Telefonista: Lamento, mas o Sr. vai ter que pagar em dinheiro. O
limite do seu cartão de crédito já foi ultrapassado.
Cliente: Tudo bem, eu posso ir ao Multibanco sacar dinheiro antes
que chegue a pizza.
Telefonista: Duvido que consiga, o Sr. está com o saldo negativo no
banco.
Cliente: Meta-se com a sua vida! Mande-me as pizzas que eu arranjo
o dinheiro. Quando é que entregam?
Telefonista: Estamos um pouco atrasados, serão entregues em 45 minutos.
Se o Sr. estiver com muita pressa pode vir buscá-las, se bem que
transportar
duas pizzas na moto não é aconselhável, além de ser perigoso...
Cliente: Mas que história é essa, como é que você sabe que eu vou de
moto?
Telefonista: Peço desculpas, mas reparei aqui que o Sr. não pagou as
Últimas prestações do carro e ele foi penhorado. Mas a sua moto está
paga, e então pensei que fosse utilizá-la.
Cliente: @#%/§@&?#§/%#!!!!!!!!!!!!!
Telefonista: Gostaria de pedir ao Sr. para não me insultar... não
se esqueça de que o Sr. já foi condenado em julho de 2006 por desacato
em público a um Agente Regional.
Cliente: (Silêncio)
Telefonista: Mais alguma coisa?
Cliente: Não, é só isso... não, espere... não se esqueça dos 2 litros
de Coca-Cola que constam na promoção.
Telefonista: Senhor, o regulamento da nossa promoção, conforme citado
no artigo 3095423/12, nos proíbe de vender bebidas com açúcar a pessoas
diabéticas...
Cliente: Aaaaaaaahhhhhhhh!!!!!!!!!!! Vou me atirar pela janela!!!!!
Telefonista: E machucar o joelho? O Sr. mora no andar térreo!'